MENU
Novo documentário sobre Ozzy Osbourne, “No Escape From Now” revela sua humanidade, modéstia e determinação
Por Francisco Martins
Publicado em 24/10/2025 17:05
Música

texto de Davi Caro

O tempo passa, mas continua difícil aceitar que vivemos em um mundo sem Ozzy Osbourne. O falecimento do Madman, em julho último, chocou as multidões de admiradores que o ex-Black Sabbath conquistou ao longo de mais de 50 anos de carreira – fosse a frente da banda de heavy metal mais importante da história, fosse através dos hits e da persona ora hilariante, ora chocante que o cantor construiu para si em seu período solo. Os anos de excesso, quando pareados com uma ética de trabalho regular, acabaram fazendo com que Osbourne fosse reverenciado como uma figura quase imortal. O que, por sua vez, segue fazendo com que sua ausência continue uma realidade difícil de assimilar.

Ressaltar a falta que o cantor faz é apenas um dos feitos de “Ozzy: No Escape From Now”, documentário recém-lançado via Paramount+, e que começou a ser produzido em 2019 – logo após um acidente doméstico que interrompeu a trajetória do frontman nos palcos. Levando o espectador em uma jornada capitulada por eventos decisivos dos últimos anos de vida de Osbourne – a feitura do álbum “Patient Number 9” (2022), realizado junto ao produtor Andrew Watt; a apresentação ao lado do velho companheiro Tony Iommi no encerramento dos Commonwealth Games do mesmo ano; a inclusão de Ozzy no Rock and Roll Hall of Fame, em 2024; e o megaevento “Back to the Beginning” (2025) no qual shows de múltiplas bandas de renome culminaram nas últimas apresentações do cantor – a produção dirigida por Tania Alexander vai além de simplesmente chamar a atenção para a debilitada saúde do ícone do metal: ao contar com depoimentos do próprio, de sua esposa, Sharon, e dos três filhos do casal (Aimee, Jack e Kelly), além de admiradores e colegas de trabalho, “No Escape From Now” é um testamento a uma verdadeira força da natureza, que, contra todas as expectativas, conseguiu persistir, e sobreviver, o suficiente para se despedir de seus fiéis discípulos e seguidores.

O foco na fragilidade e profundidade do espírito de Ozzy fica claro desde a abertura do documentário: ainda que aqueles menos atentos pudessem achar estar assistindo a algum episódio perdido do finado reality show “The Osbournes” (“Outra coisa na qual Ozzy conseguiu ser pioneiro”, comenta Jack Black em um dos momentos decisivos do filme), a natureza cândida dos depoimentos é evidente. Enquanto o marido cai no sono em um sofá, Sharon fala sobre como o companheiro é obcecado por documentários sobre a Segunda Guerra Mundial, sobre o Vietnã, e, crucialmente, sobre como “ele fica vendo entrevistas de Ronnie James Dio. Me pergunto: ‘mas por quê?’”. Ao revelar que Osbourne se sentiu mal por nunca ter dado real atenção aos discos que Dio, que o substituiu na banda que fundou, fez com os ex-companheiros, a esposa e empresária acaba revelando um misto de choque e admiração para com aquele com quem escolheu passar a vida, apesar dos percalços. E esta é a linha narrativa que permeia os muitos dilemas que Ozzy enfrenta diante das câmeras. Diagnosticado com Parkinson, o Madman batalha contra a depressão a olhos vistos, sem nunca se deixar abater completamente. Os vários problemas de saúde subsequentes – cirurgias excessivas, erros de diagnóstico médico e uma aparente incapacidade de retornar aos palcos – se tornam desafios extenuantes.

São esses mesmos percalços que acabam fazendo com que a determinação em se manter ativo por parte do protagonista se torne mais impactante. Iniciado após uma bem-sucedida parceria com Post Malone, a colaboração entre o cantor e Andrew Watt se intensificou, e, uma vez somado o Chili Pepper Chad Smith na bateria, acabaria desembocando em “Patient Number 9”: um disco que, se não manteve o mesmo êxito criativo dos vários álbuns anteriores (e como poderia?), deve cobrar reconhecimento nos anos futuros. Em paralelo a isso, com a saúde cada vez mais exaurida, surge a proposta da organização dos Commonwealth Games, que se encerrariam na cidade natal de Osbourne, Birmingham, de incluir Ozzy na cerimônia de encerramento dos jogos. O que um nome do calibre do Madman poderia facilmente enxergar como uma oportunidade protocolar em prol de alguns quinhões a mais é, desde o começo, uma chance de se reconectar com seu público, que não o via ao vivo havia certo tempo. E não poderia ser diferente: após apenas duas músicas, Ozzy se mostra revitalizado, chegando inclusive a caminhar sem a muleta da qual passou a depender por volta da mesma época.

A montanha russa emocional pela qual Osbourne e sua família passam chega a um de seus momentos mais delicados quando da inclusão da lenda no Hall da Fama do Rock and Roll. O que poderia ser apenas uma passagem triunfal, fruto do reconhecimento tardio agraciado a Ozzy (que, no entanto, já era membro da polêmica instituição como vocalista do Sabbath) acaba se tornando um pesadelo de incerteza e tensão. Isso porque, como uma das muitas consequências de sua condição física delicada, o cantor talvez não pudesse viajar até a cidade de Cleveland, onde as honrarias costumeiramente acontecem. O alívio dos Osbournes em saberem que Ozzy poderia, sim, voar de Los Angeles até a sede do Hall of Fame para estar presente na celebração é, sem dúvida, uma das passagens de maior leveza do documentário. É complicado, entretanto, não se emocionar ao ver Osbourne, comovido pela performance organizada em sua homenagem – que contou com Billy Idol, Maynard James Keenan, e Jelly Bean nos vocais (além de músicos como Chad Smith, Robert Trujillo e Wolfgang Van Halen) – tendo que se conformar com o fato de que não poderia atuar junto à banda. E o discurso de apresentação, cortesia do já citado Jack Black, consegue equilibrar o bom humor característico de Ozzy com a emoção de fã, ao testemunhar um mito da música finalmente agraciado com o prestígio que sempre mereceu.

Mas o clímax do filme não poderia ser outro – ou ser mais impactante: o semi-festival organizado no estádio do Aston Villa, também na região de origem de Osbourne, que reuniu muitos dos grandes tributários de Ozzy e de seu legado, e foi encerrado pelo mesmo, enfileirando tanto seus hits solo quanto os clássicos imortais de sua primeira banda (e junto dos mesmos Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward). Com a direção musical do superfã Tom Morello, que também participa como depoente, a lista de grupos é de impressionar qualquer um. Metallica, Guns N’ Roses, Slayer, Alice In Chains, Gojira e muitos outros se dispõem, sem titubear, em participar do show que, desde seu anúncio oficial, representaria a despedida definitiva de Osbourne dos palcos. O show, que foi transmitido ao vivo mundialmente (mas que ainda não rendeu nenhum lançamento oficial, à exceção da nova versão da baladaça “Changes” na voz de Yungblud) não chega a ser abordado extensivamente, salvo por filmagens dos preparativos e de conferências de imprensa com Sharon e Iommi, antigos desafetos, aparecendo juntos. O guitarrista, aliás, é citado pela esposa do antigo companheiro de banda como uma das pessoas mais afetuosas e próximas de Ozzy, preocupado com a saúde do amigo de tantas décadas.

Fazendo a opção de não incluir imagens da performance magnífica e comovente com a qual Osbourne encerrou sua trajetória nos palcos, a direção de Tania Alexander opta por encerrar as pouco mais de duas horas de filme com tomadas da procissão funérea que atravessou Birmingham no dia 30 do mesmo julho de 2025, que Ozzy havia iniciado com empolgação latente pela apresentação que se aproximava. Embora pudesse ser vista como fúnebre por alguns, a escolha se faz certeira por uma série de motivos. Ao centrar seu foco nos últimos anos de vida de Osbourne (que faleceu durante a pós-produção), o filme não se vale tanto de falas reverentes de admiradores famosos. Tratando de forma delicada os momentos mais sensíveis pelos quais o cantor passou em seus momentos derradeiros, o longa evidencia justamente aquilo que sempre esteve lá, embora nem todos pudessem ver: a humanidade, modéstia e determinação de um homem que desviou de uma porção de destinos trágicos, e que testemunhou a queda de tantos contemporâneos, e conseguiu se despedir de seus muitos seguidores da maneira que queria. Um marido e pai que, apesar dos pesares, se mostra grato e realizado em ter a seu lado uma família que, nas palavras do próprio, salvou sua vida. Mais do que ressaltar uma perda dolorosa e que ainda reverbera ao redor do mundo, “Ozzy: No Escape From Now” rememora a importância de uma figura dotada de um inventário musical essencial à cultura popular do último meio século, e cujo peso deve perdurar por muito mais tempo. Com o perdão do clichê: é como se, por um pouco mais de 120 minutos, Ozzy Osbourne não tivesse ido a lugar nenhum.

Comentários